Gamificação e Metaverso como forma inovadora de realizar treinamento em empresas

Gamificação e Metaverso como forma inovadora de realizar treinamento em empresas

A Gamificação é uma metodologia leve e divertida que traz a dinâmica dos jogos, combinada a conceitos de andragogia e neuroaprendizagem, para aumentar o engajamento e estimular o conhecimento dos colaboradores nas empresas

Por Flávio Sena

No Brasil, o senso comum é que gamificação tem relação íntima com videogame. Esse conceito distorcido atrasa e, algumas vezes, inviabiliza projetos de treinamento corporativo. De forma inconsciente nossa mente carrega pontos positivos e negativos dos jogos. Ao pensar em gamificação, surgem informações como:

  • É muito caro, nosso budget não cobre.
  • Será muito demorado, termos que resolver em menos de 2 meses!
  • Gastaremos horas de desenvolvimento e serão muitos profissionais envolvidos.
  • O foco ficará na diversão. Como mostraremos resultado?

Esses pensamentos fazem sentido no caso do mundo dos videogames, mas não deveria ser o fator limitante nas empresas quando o tema é gamificação, uma vez que o processo de desenvolvimento passa necessariamente pelo que chamo de “Os pilares da educação corporativa”. Enquanto os games são para entretenimento e diversão, a gamificação utiliza elementos dos jogos para atingir metas e objetivos. Se aplicarmos essa teoria veremos que tudo se conecta e passa a ser coerente com a realidade, rompendo com o senso comum e fazendo o projeto ficar viável. O primeiro pilar é a ANDRAGOGIA. Esta palavra não é muito familiar. Significa o ensino de adultos com métodos adequados à sua faixa etária e aos conhecimentos já adquiridos. Embora o conceito não seja novo, nossos sistemas de ensino, em sua maioria, continuam ensinando adultos da mesma maneira que crianças. A pedagogia desconsidera o que o adulto já conhece ou já viveu e o coloca sentado em uma sala de aula para ouvir alguém que, supostamente, conhece mais do que ele.

Soluções gamificadas rompem com a ideia de treinamentos corporativos tradicionais em que o conhecimento é detido apenas pelo instrutor, considerando que os alunos nada sabem. Quando a construção de conhecimento é feita a partir de conexões entre o que tanto instrutor quanto alunos sabem, ela passa a ser mais efetiva. Por meio dos games corporativos, portanto, construímos conhecimento de maneira sólida, interessante e que faça sentido para todos. Isso resulta em uma conexão mental mais poderosa no processo de aprendizagem.

Diversos estudos mostram o ganho na aprendizagem quando há troca de conhecimento e construção de novas formas de pensar, novos conceitos, novos resultados. Foi depois da I Guerra Mundial que a noção de características únicas para o aprendizado adulto começou a emergir tratando o aprendizado adulto como um produto de um investigação mental e não uma recepção passiva de um conteúdo transmitido, como apresentado no livro The Adult Learner (Malcoln S. Knowles, Elwood F. Holton III e Richard A. Swanson). Não entrarei em detalhes pois os princípios deste pilar são amplamente apresentados em uma busca simples na Internet, mas quero apenas listá-los:

  1. A necessidade de saber
  2. O conceito próprio do aluno adulto
  3.  O papel da experiência
  4.  Prontidão para aprender
  5. Orientação ao aprendizado
  6. Motivação

Também considero uma camada que passa por todos os princípios da Andragogia chamada EMOÇÃO, que potencializa a experiência de aprendizagem onde for aplicada.

O segundo pilar da educação corporativa é a NEUROCIÊNCIA utilizada como forma de transformar um dado ou uma mensagem qualquer em uma informação devidamente registrada e disponível para pronto uso quando solicitada pelos processos mentais. Como exemplo disso gosto de citar o processo corporativo de Onboarding (ou Integração de novos colaboradores). Ele trabalha bem esse conceito de gerar informação útil através da formação de novas trilhas mentais.
Até pode parecer razoável alocar novos colaboradores em uma sala de aula com uma apostila ou um arquivo de apresentação da empresa. Pode ser, sim, que isso seja capaz de gerar conhecimento aos novatos, não existe nada de errado neste formato a não ser o fato de descumprir o princípio 3 da Andragogia que associa o sucesso da aprendizagem adulta às informações que esse adulto já possui em sua “biblioteca” mental.

Diante disso, é bem possível vermos novatos bocejando não por estarem com sono ou desinteressados, mas por um comando neural para que ele relaxe e não se desespere com tanto conteúdo novo. Sua mente encontra uma saída e se manifesta passando a seguinte mensagem: “Calma, fique tranquilo que, quando precisarmos dessas informações buscaremos de alguma forma!” e, a partir daí, ele continuará a entender o conteúdo apresentado, mas deixará para aprender quando for realmente necessário aplicar o conhecimento.

Para o processo de Onboarding Gamificado, criei processos que exigem do novo colaborador todos os aprendizados que desejamos em uma situação como essa: entrar em contato com pessoas e suas funções na empresa, conhecer departamentos, compreender processos, normas e procedimentos internos relacionados à missão, visão e valores da empresa. Funciona assim:

O Flavio Sena, novo colaborador, chega cedo na empresa e vai até o departamento de Recursos Humanos onde é recebido calorosamente para iniciar o seu processo de integração. A gestora de RH fornece um cartão de boas-vindas que contêm um QR Code para iniciar o “Onboarding Game”. Ao abrir o jogo em seu celular, um vídeo de boas-vindas do CEO é exibido para começar a “brincadeira” e, ao término do vídeo aparece a sua primeira missão:

“Faça uma selfie junto com o Sr. José”

Ao receber esse comando, sua mente ativa o gatilho de aprendizagem que queremos e passa a fazer perguntas do tipo: quem é o Sr. José? o que ele faz aqui? como eu o encontro? etc..

A partir desse problema, o novato procura auxílio de um colega próximo e se apresenta. Começa aí o processo orgânico e espontâneo de integração. O colega diz que o Sr. José trabalha no almoxarifado e explica como chegar até sua sala. O Flavio vai então até o almoxarifado, conhece mais algumas pessoas, inclusive o Sr. José que, previamente orientado, permite fazer uma selfie e cumprir a missão. Aproveitando a presença do novato, o Sr. José explica como funciona seu departamento e assim Flavio segue para as próximas missões guiadas pelo game.

Para resumir a história, jamais o novato esquecerá da experiência, das pessoas que o ajudaram a cumprir as missões, dos processos e departamentos que conheceu e tudo isso, sem ter precisado assistir a um slide de Power Point sequer.

O terceiro pilar no processo de aprendizagem corporativa e o PERFIL COMPORTAMENTAL. Quando eu era pequeno minha avó dizia: “trate todos como você gostaria de ser tratado.” Mas, eu te peço que, por favor, desative essa mensagem quando for lidar com pessoas, sob o risco de atender às demandas de um grupo restrito à sua maneira de ser, a seus próprios gostos, a sua forma de se comunicar etc…

Algumas metodologias apresentam nomenclaturas diferentes, mas em geral há quatro perfis de pessoas. E não existe um melhor do que o outro, são apenas distintos. O importante é conhecer seu público e tratá-lo da forma que ele deseja, respeitando suas diferentes características.

Não menos importante, o quarto pilar: CULTURA ORGANIZACIONAL. Não existem duas empresas iguais, com mesma visão, valores, missão. E isso requer um tratamento personalizado na entrega do treinamento. A cultura organizacional está sempre presente, mas nem sempre clara e por escrito. É preciso sentir, fazer perguntas, viver o ambiente e conviver com as pessoas, em outras palavras, olhar para onde a liderança está olhando, para extrair o melhor resultado, os melhores indicadores de sucesso para a capacitação desejada.

Ao passar por esses pilares, procuro adotar ferramentas e funcionalidades adequadas para atingir o resultado esperado. Dou à gamificação corporativa uma atenção muito especial, ainda mais depois de 2016 quando conheci e passei a representar no Brasil uma empresa finlandesa que ocupa, há anos, um papel exemplar no processo de aprendizagem de vários países, utilizando a gamificação: a SEPPO.

Assegurar o engajamento de colaboradores apresenta-se como um grande desafio das lideranças tanto no modelo de trabalho remoto quanto no híbrido, que ganhou relevância após a Pandemia. E o uso da gamificação para ações corporativas tem se mostrado bem-sucedido. Diante de cenários, narrativas, desafios e rankings personalizados, funcionários se sentem motivados a participar de trilhas em busca de capacitação. Olhar para o edutainment e para metodologias que estimulam o aprendizado adulto torna-se fundamental.

Essa conexão gerada pelos games corporativos aciona emoções, gatilhos para que os aprendizados sejam gravados mentalmente. Os desafios propostos podem ser utilizados em todas as áreas corporativas, do processo seletivo até o onboarding, passando por treinamentos de normas de segurança. Quando pensamos na educação corporativa, fazendo uso das ferramentas e princípios corretos, aquele senso comum de que videogame é a mesma coisa que gamificação, que abordei inicialmente, cai por terra. Torna-se não apenas viável oferecer aprendizado adulto, quanto oferecer de forma rápida, engajadora e totalmente personalizada.

O Metaverso

Aí chega o Metaverso, NTFs, Blockchain, para agregar um pouco mais de pressão sobre todo este arsenal de ferramentas e funcionalidades que se atualizam tão rapidamente. Não é meu objetivo aqui trazer explicações profundas sobre essas novas tecnologias, mas sim, explorar um pouco de sua utilização prática em apenas uma vertical, o processo de aprendizagem corporativa.

Bem sabemos que muita novidade ainda estão por vir, mas acredito que o melhor cenário aparecerá quando fizermos alguns testes, quando errarmos, apostando no conhecimento que acumulamos e no enorme ganho que tudo isso pode nos trazer em diversas áreas. No meu ponto de vista o Metaverso tem o potencial de gerar uma nova economia com nossos gêmeos digitais, ou seja, uma forma de atuar nos meios digitais adotando comportamentos e hábitos comuns aos nossos na vida real.

Imagine se você puder adquirir um tênis virtual para o seu avatar em uma loja no Metaverso, provando em seus pés virtuais, validando combinações com outras roupas virtuais e guardando em uma prateleira do seu armário na sua belíssima casa virtual, localizada em qualquer lugar que você desejar? No mesmo ambiente virtual você participa do show de um artista famoso usando os itens que você adquiriu e conhece muita gente que tem gostos semelhantes aos seus. Parece loucura, não parece? Pois bem, isso já acontece e alguns itens que você se propõe a adquirir no mundo virtual, também podem ser recebidos mundo real: você compra o tênis virtual e recebe outro, real, na sua casa!

Agora imagine todo este potencial aplicado ao processo de aprendizagem, às relações humanas, ao desenvolvimento remoto em grupos, eliminando apostilas gigantescas e uma didática arcaica, que traz muito conteúdo e pouco aprendizado, especialmente para os colaboradores mais jovens. Os profissionais que estão entrando no mercado de trabalho têm raciocínio rápido e dinâmico. As cansativas palestras já não funcionam com tanta eficácia. Com base em todos esses conceitos e apostando no amadurecimento de todas essas tecnologias, desenvolvi o Maze Game.

O Maze Game é um jogo de perguntas, respostas, dicas e feedbacks, que leva o jogador ao final de um labirinto. A ideia é aplicá-lo como ferramenta no processo de aprendizagem de qualquer conteúdo. O ambiente pode ter o formato de um labirinto convencional ou pode ser um ambiente empresarial, uma fábrica, entre outros. Durante o trajeto o colaborador pode ganhar “bônus”, que facilitarão sua chegada ao final do labirinto de maneira mais rápida – se ele responde uma questão corretamente, algumas passagens se movimentarão para facilitar a sua saída. Se ele erra a questão, o mesmo acontece com o intuito de dificultar a saída.
Essa dinâmica de jogo aplicada a treinamentos corporativos cria uma saudável competição entre os colaboradores e, consequentemente, um maior aprendizado. Além disso, o Maze Game oferece ranking dos jogadores mais rápidos e um modo treino, no qual o jogador se desafia a responder questões, de forma cada vez mais rápida, com o objetivo de melhorar sua posição no ranking. O objetivo do jogo não é testar conhecimento e, sim, gerar conhecimento.

A primeira experiência do jogador acontece em uma sala de controle no Metaverso, o Maze World, onde ele interage com outros jogadores, entre outras atividades. Uma vez teleportado para dentro de um dos ambientes do Maze, passará por três modos de jogo distintos:

  • -Treino – nesse modo, o jogador caminha pelo cenário respondendo perguntas que aparecem na frente das passagens escolhidas por ele. O diferencial está na possiblidade de solicitar ajuda para responder – essa ajuda pode ser uma explicação (em forma de texto ou vídeo), uma dica ou a própria resposta. Dessa maneira, o jogador ganha familiaridade com as perguntas e agilidade para respondê-las, à medida que aprende as respostas corretas;
  • Sob pressão – a jogabilidade é a mesma do modo treino, porém o jogador pode definir um tempo para sair do labirinto, ou seja, ele se desafiará a diminuir o tempo, de acordo com a agilidade adquirida dentro do ambiente do jogo e o conhecimento das perguntas e respostas;
  • Valendo – esse é o extremo da experiência! Agora o ideal é alcançar o ponto mais alto do ranking. E cada vez que um colaborador é superado no ranking, ele recebe um SMS informando quem o superou e dando-lhe a chance de jogar outras vezes para ultrapassar o conhecimento e a habilidade dos seus oponentes.

O modo Valendo pode ter data de abertura e encerramento, para possibilitar a premiação dos que mais se destacaram, em uma convenção, por exemplo. No momento da premiação, o primeiro colocado joga ao vivo em um telão, utilizando óculos de realidade virtual, para que todos que estiverem no evento possam vê-lo em ação. Além do conteúdo, que novamente será aprendido, as pessoas ficarão cada vez mais motivadas a participar do jogo. Como premiação, os colaboradores podem acumular pontos ou criptoativos (moedas ou NFTs) para trocar por bens de consumo.

Diante de tantas possibilidades, as vezes me pego pensando para onde tudo isso irá nos levar. Meu conselho é que, se no meio de tanta inovação e tecnologia você identificar algum sentimento de perda por algo que já passou ou mesmo ansiedade pelo que ainda virá, permita-se viver apenas o presente: é tudo o que você, de verdade, tem. Use o presente para plantar boas sementes.

Flavio Sena é CEO da Maze Sistemas, Conselheiro TrendsInnovation, head de gamificação na Isat Educação Corporativa e analista de gamificação da Seppo no Brasil.

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