Cultura Organizacional

Cultura Organizacional

Como a cultura organizacional se torna um dos elementos-chave na educação corporativa, a partir do seu entendimento pela liderança?

Por Flávio Sena

Em nossos dias temos testemunhado comportamentos corporativos tóxicos, capazes de levar empresas bilionárias a destinos incertos e cenários de guerra. Mas isso não acontece do dia para a noite. O que muitas pessoas sabem, mas por diversos fatores negligenciam, é que toda instituição emite sinais. No nosso caso, quando digo “uma organização” me refiro aos seus colaboradores, isso mesmo, uma área extremamente sensível nesse organismo vivo classificado como Pessoas e Cultura. Mas, o que alimenta esses comportamentos capazes de fazer uma organização decolar ou mergulhar em um ambiente improdutivo?

Cultura organizacional está invariavelmente presente em todas as empresas, às vezes de forma escrita, algumas vezes desalinhada. E é justamente este aspecto de desalinhamento que pode desencadear um desequilíbrio de valores e, consequentemente, um momento crítico e difícil de transpor na vida da empresa. Costumo dizer que o melhor momento para pedir ajuda, não é quando damos os primeiros goles de água salgada do mar, mas quando percebemos os primeiros indícios de que o mar se agita. “Mude antes de ser obrigado a fazê-lo”: Jack Welch.

Em minha formação de Conselheiro TrendsInnovation, aprendi que nosso objetivo primário é promover longevidade a uma empresa, através de aconselhamentos e decisões sob a lente de futuro, tendências e inovação. Por isso, olhamos para a cultura organizacional utilizando essa lente, para dar significado aos comportamentos e atitudes relacionados à cultura e capazes de influenciar na longevidade de uma organização.

Trabalho há algum tempo sobre os Pilares da Educação Corporativa no intuito de desenvolver um processo para a criação de jogos para treinamento e desenvolvimento de pessoas.  Independentemente da ferramenta que utilizo, considero como foco principal os KPIs de sucesso e objetivos educacionais. A ferramenta tem seu valor no momento certo, mas o importante é criarmos um “diagnóstico” para produzir o conteúdo de forma alinhada aos pilares: Andragogia, Neurociência, Perfil Comportamental e Cultura Organizacional.

Vou me concentrar nesse último pilar e trazer para o “jogo” um escritor chave nas minhas referências, chamado Richard Barret.

Richard Barret trata em seu livro “A Organização dirigida por Valores”, duas questões centrais que são “Qual é a fonte do nosso comprometimento?” e “Como os líderes criam as condições que geram altos níveis de comprometimento de seus colaboradores?”. Por aí podemos identificar um ponto crucial na longevidade da empresa: o comprometimento. Não à toa a palavra que mais escuto quando estou descobrindo as necessidades de capacitação e desenvolvimento de pessoas é engajamento. As pessoas desengajam com facilidade quando suas demandas pessoais estão desalinhadas com as demandas propostas no treinamento ou em seu processo de desenvolvimento individual.

Muitas vezes o formato colabora para o engajamento e é nesse ponto que atuamos com a gamificação. É importante considerarmos que o engajamento virá à medida que entendermos a forma que o adulto aprende (Andragogia) e que valores corporativos são transmitidos para os colaboradores quandos eles se conectam com seus valores pessoais. Essa análise deve iniciar na abertura de uma vaga e percorrer todo o processo seletivo. Inclusive, um dos elementos que considero na criação de um processo seletivo gamificado é a apresentação da cultura organizacional para que o candidato adquira a percepção do local onde ele poderá atuar, fazendo suas próprias conexões de valores com as características que a empresa espera do potencial colaborador.

Dentre alguns exemplos de cultura corporativa, gosto do caso da ZAPPOS, uma empresa de 20 anos que comercializa sapatos e alguns outros itens, com mais 2000 colaboradores e que, em 2008 já faturava US$ 1 bi. Ela carrega em sua cultura um forte apelo de promover o efeito “UAU” em seus clientes e um ambiente de trabalho descontraído e familiar. “Na Zappos, nosso objetivo é simples: viver e entregar o WOW.”

Diz a Zappos: “Vinte anos atrás, começamos como um pequeno varejista on-line que vendia apenas sapatos. Hoje, ainda vendemos sapatos —, além de roupas, bolsas, acessórios e muito mais. Esse “mais” está fornecendo o melhor atendimento ao cliente, experiência do cliente e cultura da empresa. Nosso objetivo é inspirar o mundo, mostrando que é possível oferecer simultaneamente felicidade a clientes, funcionários, fornecedores, acionistas e a comunidade de maneira sustentável e de longo prazo.

Esperamos que, no futuro, as pessoas nem percebam que começamos a vender sapatos online. Em vez disso, eles conhecerão a Zappos como uma empresa de serviços que por acaso vende alguns itens.”

Atendimento ao cliente é um dos valores fortes na contratação, aplicado nos 3 primeiros meses dos novos funcionários que passavam no call center para vivenciar a atitude dos colegas e a cultura da empresa, frente às demandas dos clientes. Ao final do período de experiência, lhe era oferecido 3 mil dólares para que deixassem a empresa caso não se identificasse com a cultura e o estilo de trabalho.

Um caso muito legal foi uma cliente que comprou um sapato na Zappos, mas teve o calçado todo mordido por seu cachorro. A Zappos ficou sabendo do ocorrido e enviou outro par para a cliente e mais um ossinho para o cachorro, sem pedir nada em troca. UAU!

O “nível de confiança” costuma ser um bom indicador de que precisamos pedir ajuda antes do “primeiro gole de água do mar”, quando ainda temos a motivação e o fôlego necessários para diagnosticar e tratar eventuais desalinhamentos.

No livro “Confiança: As virtudes sociais e a criação da prosperidade”, Francis Fukuyama afirma que “A falta de confiança que permeia nossa sociedade impõe um tipo de taxa em todas as formas de atividade econômica, uma taxa que sociedades com alto nível de confiança não precisam pagar.”

Essa taxa à qual Fukuyama se refere, Barret chama de “entropia cultural”, como sendo o grau de disfunção dentro de uma organização ou qualquer estrutura de grupo humana (comunidade ou nação) que é gerado pelas ações egoístas de líderes com base em seus medos. Significa basicamente a existência de valores potencialmente limitantes que comprometem a organização em seu processo de evolução.

Conforme a entropia cultural cresce, o nível de confiança e coesão interna diminui. Para ganhar confiança os líderes devem agir com autenticidade e viver com integridade, demonstrando que se importam com seus colaboradores e com o bem comum.

Por aí notamos que os líderes se fortalecem quando conseguem viver de forma autêntica e alinhada com seus valores humanos mais profundos. Justamente por isso, a aplicação do Método Barret inicia pelos níveis mais altos da gestão, trazendo à tona os 7 níveis de consciência da liderança. No centro da metodologia entendemos que organizações dirigidas por valores são mais bem sucedidas. Ele explica, ainda, como os valores de uma pessoa refletem em seu estilo de liderança.

Na medida em que a pessoa vai ampliando a consciência, vai também elevando seus valores em 7 níveis de consciência, que definem a jornada da evolução humana. Evoluindo em valores, a liderança também evoluirá. Sua teoria, define sete níveis de consciência organizacional que podemos relacionar com 7 níveis de consciência da liderança. Cada nível de liderança tem conexão com a satisfação das necessidades da organização no respectivo nível de consciência.

Satisfazer estas necessidades requer uma consciência ampla, mas o líder capaz de atuar nos 7 níveis de consciência, obterá maior sucesso, uma vez que está preparado para liderar a organização do ponto de vista de atender todas as suas necessidades. O grande desafio é lidar com os medos e valores potencialmente limitantes nos 3 primeiros níveis, gerando a Entropia Cultural que citamos há pouco.

Abaixo, o resumo dos 7 níveis de consciência da liderança, destacando nos 3 primeiros níveis, os efeitos do medo e valores potencialmente limitantes geradores da Entropia cultural (intenção de sanar necessidades do ego), indo para níveis mais profundos ao passar pelo nível 4 da Transformação, até chegarmos no nível 7. Enquanto estivermos preocupados em buscar suprir nosso ego, a construção de algo maior que nós, nunca ocorrerá:

Nível 1: Sobrevivência

Neste nível a liderança conhece a importância do resultado financeiro e retorno aos acionistas, através do gerenciamento detalhado das finanças. Preocupa-se com as necessidades básicas e segurança dos colaboradores. São cautelosos em situações de maior complexidade, focando em perspectivas de longo prazo paralelamente as questões cotidianas de curto prazo (Ambidestria). Lida bem com crises que possam ameaçar a organização ou colocá-la em situações de risco. Em tais circunstâncias, podem agir de forma autoritária sob risco de comprometerem a confiança e o comprometimento dos colaboradores, impactando diretamente nos relacionamentos. Quanto maiores os seus medos existenciais, maior a aversão a riscos, influenciando no trato das emoções. A busca por resultados é incansável e o sentimento de insatisfação financeira, permanente. A conformidade é fortalecida pelo simples cumprimento dos padrões.

Nível 2: Relacionamento

Neste nível, são predominantes as habilidades de relacionamento com foco nas emoções, relações harmoniosas com colaboradores e acessibilidade. Excelentes relações com clientes priorizando sua satisfação. Quando sentem ameaçadas as necessidades de serem gostados, ou mesmo de lidarem com as próprias emoções, evitam conflitos, podendo não serem verdadeiros na comunicação interpessoal, manipulando se necessário, para obterem o que precisam. Buscam culpados quando não alcançam os resultados que desejam. São protetores da equipe, tendo como troca na relação, lealdade e obediência. Ao agirem de forma paternalista, podem excluir aqueles que não o percebem desta forma, limitando o empreendedorismo dos colaboradores.

Nível 3: Autoestima

Lógica e planejamento no trabalho, processos, análises e racionalidade na tomada de decisões. Forte pensamento estratégico, controle. Foco no sucesso e em serem sempre os melhores. Quando suas necessidades de autoestima são impactadas por medos subconscientes, buscam o poder, autoridade e reconhecimento construindo burocracias e hierarquias para garantirem a autoridade. Com foco excessivo em sua imagem, podem usar da “política” para atingirem o que desejam.

Nível 4: Transformação

E a partir daqui depositamos uma atenção especial porque a chave de qualquer evolução, seja cultural, de liderança ou da nação, está na nossa transformação individual.

O consenso e compartilhamento de poder predominam. Não há necessidade de terem todas as respostas. As relações são de confiança, com responsabilidade na entrega de resultados. Novas ideias são desenvolvidas no grupo baseadas em relações de igualdade e respeito a diversidade. Não existe hierarquia e a independência é cultivada como forma de libertação de medos na busca da autorrealização. Sem a necessidade de aprovação, há um maior compartilhamento de ideias e a inovação torna-se natural. É o processo de transformação.

Nível 5: Coesão Interna

Missão e visão inspiram colaboradores e principais stakeholders. Valores são compartilhados e os comportamentos são congruentes direcionando as decisões da organização. Existe paixão e entusiasmo coletivo, transparência, e o foco nos resultados são orientados para o bem comum, livres de interesses pessoais. Problemas são vistos sob perspectiva sistêmica, além de causa e efeito, e como oportunidades. Obtém o melhor de si e todas as pessoas na organização.

Nível 6: Fazer a diferença

Estabelecimento de relações de ganho mútuo na organização, com clientes e parcerias com grupos que compartilham de um mesmo propósito. Buscam fazer a diferença no mundo atuando como líderes servidores. As relações extrapolam a organização, impactando positivamente a comunidade local e o meio ambiente. São dotados de grande empatia, buscando apoiar os colaboradores no encontro de suas realizações profissionais. Atuam como líder coach e mentores, com o objetivo desinteressado de obterem o melhor de todos na organização. Atuam de maneira protagonista em seu papel de liderança.

Nível 7: Serviço

Visionários motivados pela necessidade em servir ao mundo. O legado a ser deixado para as gerações vindouras, são a base de suas ações. Há conexão da própria missão com a organização sob uma perspectiva social. O mundo é visto como uma grande rede interconectada e possuem total consciência sobre o seu papel. A incerteza faz parte do processo, bem como a ambiguidade é tolerada.

Conclusão:

Os 3 primeiros níveis de consciência da liderança são focados na criação de uma organização que busca estabilidade financeira, com uma forte base de clientes e que tenha sistemas e processos eficientes. No 4° nível, há a transformação da consciência da liderança, promovendo um clima de aprendizagem contínua e de empoderamento dos colaboradores, à fim de que a organização consiga responder e se adaptar às mudanças internas e externas do ambiente. Nos níveis 5, 6 e 7 de consciência da liderança, o olhar passa a ser de uma organização focada em missão, visão e conjunto de valores organizacionais, que estabeleçam uma conexão interna e externa por alianças estratégicas que contribua com a sociedade de modo abrangente.

Por isso é tão importante que a liderança esteja alinhada com a cultura organizacional e que esses valores, uma vez alinhados, sejam reproduzidos em todos os ambientes e situações da empresa. É nesse momento que os processos de aprendizagem e educação se conectam com os Pilares da Educação Corporativa e, através da metodologia proposta por Richard Barret, encontramos suporte que estabelecem quatro critérios necessários para aumentar o envolvimento dos colaboradores. São eles:

  1. Alinhamento de valores
  2. Alinhamento da missão
  3. Alinhamento pessoal
  4. Alinhamento estrutural

Ficam estes quatro critérios para reflexão: Temos na nossa organização o alinhamento necessário à longevidade da empresa? Falaremos sobre eles em outro momento.

Flavio Sena é CEO da Maze Sistemas, Conselheiro TrendsInnovation e analista de gamificação da Seppo no Brasil.

 

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