A falta de caixa pode ser um dos motivos, mas há muitos outros.
Por Marcio Motter
Cada caso é um caso e, muito provavelmente, o motivo de uma empresa quebrar, falir ou deixar de existir é a soma de diversas situações. Algumas sob controle da gestão (proprietários ou executivos), outras não.
Situações como pandemia ou acidentes naturais estão totalmente fora do controle da gestão e podem impactar significativamente na continuidade de uma empresa ou negócio.
Na pandemia de COVID-19, de uma hora para outra, milhares de negócios pararam de operar por causa das restrições e, muitos deles, não conseguiram resistir ou se reinventar e fecharam de vez suas portas.
Neste início de 2023 em decorrência de enchentes ou deslizamentos vários comércios e prestadores de serviços (oficinas, salões de cabeleireiro etc) foram literalmente riscados do mapa. Até podemos discutir que muitos deles foram estabelecidos em lugares de risco, mesmo assim funcionaram por anos e em questões de minutos deixaram de existir.
Por outro lado, muitas situações que estão sob total controle da gestão, por terem sido desconsideradas, impactaram na continuidade da empresa. Em outras palavras: a empresa deixou de existir por problemas de gestão.
Há casos em que a tomada de decisões olhando o curto prazo, sem considerar o seu impacto no longo prazo, leva ao pior cenário, mas nem sempre isso chega a comprometer a continuidade da empresa.
Não vou abordar casos como Enron[1], WorldCom[2] ou Arthur Andersen[3], nem mesmo o caso mais recente das Americanas[4] por estarem relacionados a questões judiciais e requererem análises técnicas e periciais. Vou citar casos em que as mudanças de mercado ou do comportamento do consumidor, muito provavelmente, foram desconsideradas nas decisões tomadas pela gestão das empresas.
Normalmente quando uma empresa tem problemas, a “culpa é do mercado” e, quando uma empresa tem sucesso, é mérito da gestão. Na minha opinião fracasso e sucesso estão vinculados às decisões tomadas pela gestão; de como ela enxergou as mudanças e reagiu a elas. Por exemplo:
A Kodak, fundada em 1888, líder no mercado de filme e papel de revelação de fotografias, dois itens essenciais para ter-se a foto da viagem, festa ou reunião, foi a criadora das câmeras de fotografia digital. Por não acreditar na nova tecnologia ou por achar que o mercado não mudaria, “engavetou o projeto” por assim dizer. As câmeras digitais se popularizaram e a Kodak, de líder quase foi à falência, o que não aconteceu graças a um financiamento que obteve em 2013. Hoje qualquer celular tem uma câmera digital, sem contar os diversos fabricantes de câmeras que existem no mercado.
A Blockbuster, fundada em 1985, foi a maior rede de locação de filmes e jogos do mundo, um mercado dividido com inúmeras redes de locadoras e locadoras independentes. Um modelo de negócio baseado em lojas físicas alugando filmes ou jogos gravados em mídia física (VHS, DVD ou blu-ray). A tecnologia mudou, as conexões de internet melhoraram significativamente o que nos permitiu alugar filmes e jogos sem sair de casa e nem precisar devolvê-los, levando a extinção das inúmeras locadoras, até mesmo a Blockbuster foi extinta em 2014.
A Netflix, fundada em 1997 e que também atuava nesse mercado (ela não tinha lojas físicas; os filmes eram enviados e devolvidos pelo correio), usou a mudança a seu favor e hoje tem cerca de 230 milhões de assinantes.
Considerando que Blockbuster e Netflix estavam no mesmo negócio e no mesmo momento; assumindo que a gestão das duas empresas tinha acesso às mesmas informações, quais decisões tomadas pela gestão de cada uma delas foi a causa da extinção e da prosperidade, respectivamente?
A própria Netflix que surfou sozinha durante alguns anos no mercado de streaming[5], recentemente precisou readequar mais uma vez o seu negócio ao produzir conteúdo, e não somente distribuir o conteúdo de terceiros.
Da mesma forma, empresas que antes dependiam das locadoras para distribuírem o seu conteúdo, criaram as suas próprias plataformas de streaming, como é o caso de Disney, Pixar, Marvel ou HBO.
Além de Kodak e Blockbuster, existem muitos outros exemplos de perda de protagonismo no mercado de atuação, ou mesmo a extinção da empresa, sem qualquer relação com falta de qualidade do produto, muito pelo contrário, várias empresas com produtos de altíssima qualidade não estão mais no mercado.
Na minha opinião a perda do protagonismo ou extinção da empresa está relacionada a gestão não ter conseguido antecipar e reagir aos impactos das mudanças nos seus respectivos negócios; a gestão não conseguiu criar alternativas para a manutenção das empresas.
Por não atenderem mais às demandas de mercado as empresas vendem menos e com isso são menos lucrativas. Empresas menos lucrativas tem maior dificuldade para obter crédito e são menos atrativas aos investidores. Com menos recursos, as empresas reduzem e até eliminam investimentos em inovação ou diferenciação de produtos e serviços. Produtos e serviços menos inovadores ou não diferenciados vendem menos.
Com isso está criado o círculo vicioso e por isso o meu comentário no início deste texto de que a falta de caixa é uma consequência da quebra de uma empresa, mas não a sua causa.
Marcio Motter é Conselheiro associado da Conselheiro TrendsInnovation, Executivo Financeiro com mais de 25 anos de experiência em Tesouraria, Controladoria, Planejamento, Fusões & Aquisições, Relações com Investidores e emissão de títulos de dívida (bonds e commercial papers) em diferentes setores (publicação, restaurantes industriais, defesa e eletrônicos). Ao longo de todos esses anos ele atuou próximo às áreas de negócio viabilizando alternativas consistentes com a estratégia da empresa e não apenas no controle de custos, despesas e processos; gerindo os riscos das operações e não levantado empecilhos ou limitações para a realização delas. É autor do e-book “Aumente o seu lucro sem aumentar o preço”, titular da coluna “Finanças e Gestão Financeira” da Cloud Couching” e mentor do InovAtiva desde 2017.
[1] Companhia de energia. Fundação 1985 – Concordata 2001; tinha 21 mil funcionários
[2] Empresa de telecomunicações. Fundação 1983 – Concordata 2002; tinha 85 mil funcionários
[3] Era uma das “Cinco Grandes” irmãs de contabilidade. Fundação 1913 – Extinção 2002; prestava serviços de auditoria para Enron e WorldCom.
[4] Varejo. Fundação 1929 – Pedido de recuperação judicial em mar/23; tem cerca de 45 mil funcionários
[5] tecnologia de transmissão de conteúdo online que nos permite consumir filmes, séries e músicas – https://tecnoblog.net/responde/o-que-e-streaming/