“Uma mudança de carreira muitas vezes exige um reset de competências”
Por Marcelo Veras
A expectativa de vida só cresce no mundo e no Brasil. O aumento é de cerca de 35 anos em 1900, para quase 80 anos atualmente. Tudo, fruto da ciência e da crescente compreensão de como se ter longevidade. Estima-se que não estamos muito longe de chegar aos 100 anos de expectativa de vida. E isso, decerto, é uma maravilha!
Este fato impacta diversas dimensões da vida, mas principalmente o mundo do trabalho. O conceito de aposentadoria está se transformando, e o desejo de seguir a jornada de forma intelectualmente ativa só ganha mais adeptos geração a geração.
Para quem teve uma carreira executiva, existem vários caminhos após o fim deste ciclo. Consultoria, carreira em educação, empreender em um novo negócio, investir em startups ou iniciar uma carreira como conselheiro(a), para citar as mais comuns. E tem gente que faz duas ou três dessas coisas ao mesmo tempo, visto que não são excludentes.
Entretanto, uma nova carreira, inevitavelmente, exige algum tipo de “reset”, seja de competências técnicas e/ou de competências comportamentais. Nem sempre um grande jogador de futebol se transforma em um grande técnico. Já virou comum ver executivos altamente competentes e bem-sucedidos de darem bem mal ao investir ou iniciar um novo negócio. Achar que as competências que lhe fizeram ter muito sucesso numa grande organização serão suficientes para garantir o sucesso em uma startup, pode ser um erro fatal. No caso da transição de carreira executiva para conselho não é diferente.
A carreira de conselheiro(a) é muito atrativa, promissora e só cresce. O tema “governança” ganha força a cada ano e adesão por parte de empresas, independente de porte ou setor. Ser conselheiro(a), na sua essência, é ser “o elo de ligação entre a propriedade e a gestão”. O termo “conselheiro” não vem de “aconselhar”, mas – sim – de “decisão colegiada”. Sentar-se em uma mesa de conselho significa focar nos seguintes eixos:
1) Tema principal: Estratégia
2) Missão: Longevidade da empresa
3) Papel a cumprir: Ser um(a) generalista e tomar decisões colegiadas
Pois bem, este tripé, embora muito simples de compreender, traz alguns desafios enormes para quem teve uma carreira executiva por décadas e decide iniciar esta nova jornada profissional como conselheiro(a).
O primeiro deles, que na minha visão é o mais simples de resolver, diz respeito aos “gaps” de conhecimento. Se eu tive, por exemplo, uma carreira em Recursos Humanos, e tenho um “gap” em Finanças, preciso cobri-lo e ponto final. Em uma mesa de conselho, não se pode, em hipótese alguma, se “esquivar” da discussão quando o tema for Finanças. Eu não preciso, como conselheiro, chegar ao nível de conhecimento de um(a) colega conselheiro(a) que tem 30 anos de experiência em Finanças.
Mas não posso, ao receber um balanço e uma DRE, não saber analisar e ajudar a tomar uma decisão de investimento, por exemplo. De novo, conselheiro é um generalista. Pode, e deve, trazer sua experiência para o colegiado, mas lá tem de se comportar como um(a) generalista. A sua forte experiência na área X ou Y pode ser melhor “emprestada” em um comitê, por exemplo. Portanto, ao se decidir por esta carreira, uma das primeiras coisas a se fazer, após obter a formação de conselheiro(a) é identificar e cobrir os “gaps”.
O segundo desafio, esse sim na minha visão, é parrudo. Digo isso porque ele envolve mais do que cobrir lacunas de conhecimento. Trata-se de uma mudança de atitudes e de modelo mental.
Como executivo(a), principalmente quando se teve muito tempo em cargos de alta liderança, acostumou-se a tomar decisões. Muitas decisões. Uma após a outra e muitas delas difíceis e de alto impacto. É claro que um(a) bom(a) líder sempre ouve seus pares e seu time, mas no final do dia, decide. Bate no peito e decide. Com o passar do tempo e a experiência, essa rotina de bater no peito, decidir e assumir ônus e bônus das suas decisões, deixa o(a) executivo(a) com essa pegada e este modelo mental fortemente enraizado. Joga para mim que eu decido! Logo, ao sentar em uma mesa de conselho, onde se tomam decisões de forma colegiada, a tentação de querer decidir ou influenciar fortemente a decisão por força desse DNA decisor de décadas, pode ser um problema.
Deixar para trás este modelo mental de dar sempre a última palavra pode ser um dificultador enorme para a nova carreira. Este é, na minha visão, o maior desafio em termos de mudança de postura quando alguém com uma longa e sólida carreira executiva decide ser conselheiro(a). Para não cometer este erro básico na nova carreira, recomendo reler todos os dias a definição do que é ser conselheiro(a) – “o elo de ligação entre a propriedade e a gestão” e os eixos principais desta nova função:
1) Tema principal: Estratégia
2) Missão: Longevidade da empresa
3) Papel a cumprir: Ser um(a) generalista e tomar decisões colegiadas
Portanto, se você tem muita estrada rodada como executivo(a) e quer ter uma bela jornada como conselheiro(a), não se esqueça de duas coisas: cubra seus “gaps” e esqueça essa de querer decidir tudo sozinho(a). Use mais as duas orelhas do que a (única) boca.
Prof. Marcelo Veras, CEO da Unità Educacional, professor do Curso Conselheiros TrendsInnovation da Inova Business School, Conselheiro TrendsInnovation Certificado, Conselheiro Emérito da Associação dos Conselheiros TrendsInnovation do Brasil.