Por séculos, a economia funcionou da mesma forma: Gestão da Escassez por meio da administração de recursos limitados para necessidades humanas ilimitadas. Ou seja, as empresas extraem e transformam. Os clientes, por sua vez, consomem e descartam, em busca de novos produtos.
Esse processo linear se inicia na exploração dos recursos naturais e é concluído pela geração de montanhas de lixo sem utilidade. É fato que não há limites para as necessidades humanas – normalmente relacionadas a sua capacidade de consumir, tanto em número quanto em variedade. Porém, apesar de todo extraordinário progresso que obtivemos desde a revolução industrial, nos encontramos hoje numa encruzilhada perigosa.
Nos últimos 200 anos, a transformação de recursos naturais aparentemente abundantes em capital financeiro nos levou a um conceito novo ao que os cientistas Paul Crutzen e Eugene F. Stoermer chamam de Antropoceno, uma nova era geológica, onde as atividades humanas, da agricultura ao desenvolvimento do plástico, do concreto e da energia nuclear, passando pelo aquecimento global, vem afetando a Terra de tal forma que criamos um novo período de tempo geológico.
O que nos levou até onde estamos hoje, em todos os sentidos, foi a economia linear.
Desde o boom da Revolução Industrial, a economia linear proporcionou altos padrões de vida e tremenda riqueza em algumas partes do mundo.
Isso foi, no entanto, alcançado com alto custo para o planeta e para muitas das pessoas nele.
No atual mundo de recursos limitados do rápido crescimento populacional e da urbanização, esse modelo linear ‘extrair, produzir, desperdiçar’ da atualidade está atingindo seus limites físicos e já não faz mais sentido.
A economia circular é uma alternativa atraente que busca redefinir a noção de crescimento.
Propõe uma mudança em toda a maneira de consumir, do design dos produtos até nossa relação com as matérias-primas e resíduos. É a busca pelo desperdício zero e lixo zero, e vai tornar o capitalismo mais sustentável e eficiente. Pode criar mais postos de trabalho e, simultaneamente reduzir o consumo de energia, água e recursos das empresas, dos países e do planeta. É um conceito baseado na inteligência da natureza, opondo ao processo produtivo linear o processo circular, onde os resíduos são insumos para a produção de novos produtos.
No meio ambiente, tudo é continuamente nutriente para um novo ciclo. Isso envolve dissociar a atividade econômica do consumo de recursos finitos, e eliminar resíduos do sistema por princípio.
De acordo com a Fundação Ellen MacArthur o conceito reconhece a importância de que a economia funcione em qualquer escala – para grandes e pequenos negócios, para organizações e indivíduos, globalmente e localmente. A transição para uma economia circular não se limita a ajustes visando a reduzir os impactos negativos da economia linear. Ela representa uma mudança sistêmica que constrói resiliência em longo-prazo, gera oportunidades econômicas e de negócios, e proporciona benefícios ambientais e sociais.
O modelo circular constrói capital econômico, natural e social, e faz uma distinção entre ciclos técnicos e biológicos. O consumo se dá apenas nos ciclos biológicos, onde alimentos e outros materiais de base biológica (como algodão e madeira) são projetados para retornar ao sistema através de processos como compostagem e digestão anaeróbica. Esses ciclos regeneraram os sistemas vivos, tais como o solo, que por sua vez proporcionam recursos renováveis para a economia. Ciclos técnicos recuperam e restauram produtos, componentes e materiais através de estratégias como reuso, reparo, remanufatura ou (em última instância) reciclagem.
Isto garante fluxos aprimorados de bens e serviços.
O diagrama sistêmico ilustra o fluxo contínuo de materiais técnicos e biológicos através do ‘círculo de valor’.
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O modelo de economia circular sintetiza uma série de importantes escolas de pensamento, incluindo a economia de performance de Walter Stahel; a ideia de biomimética articulada por Janine Benyus; a ecologia industrial de Reid Lifset e Thomas Graedel; o capitalismo natural de Amory e Hunter Lovins e Paul Hawkens; a abordagem blue economy como descrita por Gunter Pauli. Há ainda a filosofia de design Cradle to Cradle (do berço ao berço) de William McDonough e Michael Braungart que utilizarei como referência para ilustrar como a circularidade funciona na prática, e muito bem.
Marcas do universo fashion já estão trabalhando com a Certificação C2C há tempos. A linha Ciclos da C&A segue os padrões de sustentabilidade mais exigentes do mundo. É uma roupa pensada e criada de forma inteligente, com algodão mais sustentável e feita com materiais que preservam o solo e a água. Todas as peças que levam a etiqueta Ciclos têm a garantia da certificação do Cradle to Cradle Products Innovation Institute. Já a marca Suíça de tênis, On anunciou o The Cylon: um par de tênis totalmente reciclável que só pode ser “comprado” por meio de uma assinatura mensal.
O objetivo da On é atingir a circularidade total e criar novos tênis com os pares que os clientes enviam de volta. A assinatura de tênis é de US$ 29,99, o que permite aos clientes trocar seus sapatos atuais por novos com a frequência que quiserem, garantindo que a On receberá devoluções de tênis suficientes para tornar a circularidade viável. O Cylon é feito de grãos de mamona (não plásticos à base de petróleo, como muitos sapatos) e pode ser totalmente reciclado.
É importante destacar que o modelo de economia circular apresentado acima tem importantes origens históricas e filosóficas. O economista britânico Kenneth Boulding é apontado por alguns acadêmicos como o pai do termo, ao publicar, em 1996 o artigo “The economics of coming spaceship earth” em que defendia que o homem precisa encontrar o seu lugar em um sistema ecológico cíclico que seja capaz de reproduzir continuamente a forma material. Essa ideia, porém, também foi percebida – e difundida – por Ellen MacArthur, velejadora quando percorreu mais de 50 mil quilômetros, numa volta ao mundo em 3 meses. Como dispunha de poucos recursos e precisava economizá-los ao máximo para manter sua sobrevivência em alto mar, Ellen entendeu a importância da preservação e reaproveitamento dos recursos justamente por estes serem limitados. Esse insight originou o instituto homônimo ao seu nome; Ellen MacArthur Foundation tornando-se expoente na divulgação da Economia Circular e aclamado por diversos especialistas e estudiosos sobre meio ambiente.
Esse modelo apresenta similaridades com aquele proposto pela economista britânica Kate Raworth, do Instituto de Mudanças Ambientais da Universidade de Oxford, conhecido como Economia Donut (economia da “rosquinha”) que propõe um sistema no qual as necessidades de todos serão atendidas sem esgotar os recursos do planeta, um contraponto possível ao crescimento ilimitado a qualquer custo. Uma mudança de paradigma para um sistema que desconsidera os limites ambientais, entre outros fatores.
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No anel interno da Economia Donut estão os conceitos do mínimo necessário para que tenhamos uma boa vida. Esta ideia está alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e envolve desde alimentos e água potável até níveis satisfatórios de habitação, educação, saúde, equidade de gêneros, saneamento, energia, renda e participação política. As pessoas que não têm o mínimo necessário para viver bem, dentro destes critérios, estão vivendo no buraco central da rosca, segundo o modelo proposto por Kate.
O anel externo do gráfico, representa os limites ecológicos, estabelecidos por cientistas e pesquisadores. Ele destaca as fronteiras que a humanidade precisa respeitar para evitar mudanças climáticas, garantir a conservação dos solos e dos oceanos, da camada de ozônio, da biodiversidade e acesso à água potável.
Ou seja, no vazio interno da rosca, temos as insuficiências, shortfall, o que tem de remediar para entrar no espaço seguro da própria rosca. E no vazio externo, temos os excessos, o overshooting, que precisamos reduzir.
Entre estes dois anéis do gráfico está o equilíbrio – é nesta área que encontramos o que pode satisfazer as necessidades humanas, sem comprometer o equilíbrio do planeta.
Os exemplos de sucesso são muitos, assim como são infinitas as oportunidades, basta repensar e redesenhar nossa forma de produzir. E você, já parou para pensar o quanto a sua organização pode alavancar com um modelo circular?
* Com informações via: Ellen MacArthur Foundation, CicloVivo, BBC Brasil, Outras Palavras.
Eliane El Badouy Cecchettini, Badu como é conhecida no mercado, é publicitária, pós-graduada em Marketing pela ESPM, vencedora de 2 categorias do prêmio de Mídia Estadão – Pesquisa de Mídia e Gran Prix, premiada com Profissionais do Ano Rede Globo, co-autora de 2 livros “Inovação em Sala de Aula” e “Métodos de Ensino para Nativos Digitais”, fruto de seus estudos sobre comportamento e consumo de mídia dos nativos digitais. Também é colunista da Revista Eletrônica BREAK do Grupo EPTV – afiliada Rede Globo -, e da coluna Ponto de Contato da Inova Business School. É coordenadora de Futuro e Tendências na Educação do IBFE – Instituto Brasileiro de Formação de Educadores, professora e coordenadora da Pós-Graduação de Economia Criativa, Master de Negócios de Impacto e professora na Pós-Graduação de Neuromarketing da Inova Business School. Seus mais de 30 anos de carreira foram construídos em grandes grupos de comunicação como Editora Abril, Folha de S.Paulo e Sony Enterteniment Television e agências de propaganda. Em sua trajetória profissional atendeu contas como Mc Donald’s, Unilever, Johnson & Johnson, FIAT, Bradesco, L’oréal, Tetra Pak, 3M, CPFL, Souza Cruz, Internacional Paper, entre outras. É Head de Media Intelligence & Consumer Insights da Targget House, Conselheira TrendsInnovation, Associate Partner da Inova Consulting para Futuro, Tendências & Consumer Insights, além de pesquisadora do comportamento, mecanismos de atenção e do consumo de mídia contemporâneos.