No Brasil, sempre reagimos às crises com inovação. Evoluímos, identificamos novas capacidades produtivas e econômicas, criamos caminhos e seguimos em frente
Por Renata Vilenky
É bastante comum no mundo dos negócios dizer que sem inovação uma empresa morrerá, um negócio será comprado ou eliminado por um novo entrante mais tecnológico e mais eficiente em resolver um problema real dos consumidores daquele setor, ou ainda que para inovar é preciso ter um orçamento específico senão a inovação será inviável.
O que não se fala é que a inovação decorre de uma curiosidade em fazer melhor, de um olhar para o futuro onde percebe-se a necessidade antecipada de mudar, de uma compreensão decorrente das mudanças de comportamentos e demandas, ou ainda de uma provocação oriunda de fatores externos que não controlamos, como pandemias, guerras, mudança de cenário econômico, mudança climática, mudanças sociais, crise de credibilidade, mudança de políticas públicas ou simplesmente a mudança de uma empresa da cidade onde toda região girava em torno dela.
Por que é tão importante entender estes fatores que obrigam o pensar e aplicar inovação? Porque esta é a realidade do Brasil e do brasileiro em qualquer segmento de mercado que atuemos, algo que existe em nosso DNA, seja como forma de sobrevivência, seja como forma de investimento ou ainda como forma de construir este país desde a sua criação, haja vista termos passado por tantas crises que nos obrigaram a rever diretrizes, ajustar as práticas públicas e privadas e seguir em frente.
Na crise de 1929 quando os Estados Unidos diminuíram fortemente a importação, o Brasil era dependente da cultura do café. A dependência da monocultura causou danos ao país. Para evitar o agravamento da crise e reduzir seu impacto, na medida do possível, a “inovação” aplicada pelo Governo foi emprestar capital estrangeiro e oferecer incentivos econômicos, comprar o excedente de café, incentivar a diversificação do mercado agrário e incentivar o desenvolvimento da indústria nacional.
Na crise da década de 1980, com o aumento do endividamento público em função da quantidade de empréstimos tomados, a partir da década de 1970, junto a países estrangeiros, o Brasil passou por forte turbulência, aumentando sua taxa de juros, impactando os resultados que havia conquistado na década de ouro, e desvalorizando sua moeda a ponto de exigir um grande pacto político para retirar o país da inflação inercial e da estagnação econômica. O cenário enfraqueceu os militares no poder e permitiu “inovação” através do movimento “Diretas Já”, que gerou uma transição política. Foi, portanto, a partir de uma nova perspectiva, de um incomodo no cenário econômico, que o país decidiu mudar e iniciar sua democracia.
Na crise do Subprime em 2008, com o mercado imobiliário americano em deterioração, o Brasil sofreu pela redução na demanda de produtos, pela desvalorização de nossa moeda e pela queda na atividade econômica, o que fez novamente o governo intervir, “inovando”, reduzindo impostos para estimular o consumo, congelando preços do petróleo, subsidiando tarifas de energia elétrica e ampliando as desonerações.
Na crise hídrica de 2014, decorrente da falta de chuvas, do uso excessivo de água por consumidores e empresas, e da falta de planejamento de investimentos e infraestrutura por parte do governo, houve impacto não só na agropecuária do país, como em pequenos pescadores, em várias indústrias do país, e no consumo de energia elétrica. Com isso, o Brasil “inovou”, e investiu em uma matriz energética mais diversificada, ainda bastante dependente das hidrelétricas, que representam cerca de 60% da capacidade, porém com aumento da geração de energia eólica e solar fotovoltaica no fornecimento para o Sistema Interligado Nacional (SIN), responsável por levar energia a todos os consumidores através das distribuidoras de cada região.
Eu poderia continuar trazendo cada uma das crises que passamos, inclusive a do Covid, porque sempre reagimos a elas, evoluímos, identificamos novas capacidades produtivas e econômicas, criamos caminhos e seguimos em frente. Porém se nos aprofundarmos, veremos que parece ser recorrente esse comportamento de reação quando o problema atinge o extremo, sem entender o que aconteceu, avaliar medidas para não repetirmos os erros e discutirmos de forma ampla os impactos na sociedade.
Temos o hábito de manter o país gerido por uma minoria que nos guia, nos diz o que podemos e o que não podemos fazer, e nos acomodamos em aceitar e tornar essa a nossa verdade. Porém somos inovadores por definição e não há bola de cristal para dizer quais inovações darão certo ou não, mas se trabalharmos com estudos de tendências e capacitarmos nossos profissionais no letramento de futuros, no pensamento crítico, na resolução de problemas complexos, na colaboração para o desenho de soluções, na criatividade, na observação interessada, e no raciocínio sistêmico, dificilmente seremos impedidos de construir grandes empresas, grandes talentos e uma grande nação.
Talvez este seja um dos maiores vieses estruturais que precisamos desconstruir. Achar que o melhor, o mais inovador e o mais transformador virá de fora do Brasil porque ainda somos um país pobre, investimos pouco em pesquisa e temos desigualdades gritantes. Porém é exatamente o nosso contexto que nos gera tantas oportunidades de inovar e alcançar resultados transformadores e massivos, que possam inclusive se tornar cases internacionais de sucesso.
Este preconceito impacta a forma como contratamos, a forma como atuamos em conselho, a forma como vivemos e nos conectamos em modelos de vida e negócios. Acreditamos que para nos manter atualizados e conectados com o que há de mais moderno precisamos viajar para o exterior afim de conhecer novas tecnologias e suas aplicações, ou mandar os filhos para faculdades americanas a fim de que se formem em condições de enfrentar o mundo atual. Este viés profundo pode nos causar uma miopia desigual e demonstrar que talvez esse seja um dos maiores desafios da nossa sociedade a ser ultrapassado em tempos de ESG.
Para não ficar só falando e trazer algumas informações referentes ao Brasil, gostaria de lhes apresentar o nosso país em termos de inovação e desenvolvimento de soluções:
- Em Pernambuco, temos o Centro de Inovação Cesar localizado no Porto Digital de Recife, onde estão mais de 350 empresas de economia criativa e tecnologia, empregando mais de 15 mil funcionários e com um Faturamento em 2021 que ultrapassou 3 bilhões de reais.
- Em Salvador, temos o Parque Tecnológico da Bahia que nasceu de uma parceria entre entidades públicas e privadas, em 2004, com o propósito de criar as políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação da Bahia. Hoje tem pouco mais de 40 empresas entre startups aceleradas, incubadas e residentes que geram negócios da área de cosméticos a fintechs.
- Em Salvador também temos o Vale do Dendê que fomenta inovação de impacto social com foco em diversidade. Criado em 2017, tem parceiros importantes como google, Fundação Itaú e Fundação Alphaville, e um portfólio de empresas nordestinas aceleradas que vão da indústria da moda a indústria dos games.
- Campina Grande, reconhecida como a 3ª cidade mais inovadora do Brasil pelo ICE 2023 (índice de cidades empreendedoras criado pela Endeavor e pela Enap) conta com um Polo Tecnológico que reúne empresas de base tecnológica e instituições como a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), escolas técnicas e centros de apoio à pesquisa como a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB). A cidade tem o registro de 30 patentes por mil empresas e foi avaliada a partir de sete fatores determinantes para alcançar essa posição no índice: ambiente regulatório, infraestrutura, mercado, acesso ao capital, inovação, capital humano e cultura empreendedora.
- No Amapá acontece anualmente a feira Innova Amapá, na sede do Sebrae, que apresenta uma exposição de empresas de inovação nas áreas de bioeconomia e tecnologias escaláveis ofertadas pelas startups que participam do Programa Inova Amazônia.
- Fortaleza, de acordo com o Ranking Connected Smart Cities, é a primeira capital do país em tecnologia e inovação e a 4ª na categoria Empreendedorismo. Esse ranking desenvolvido pela Urban Systems, em parceria com a Necta, mapeia todos os 680 municípios com mais de 50 mil habitantes com maior potencial de se tornarem cidades conectadas e inteligentes. O estudo é composto pelos indicadores de mobilidade, urbanismo, meio ambiente, tecnologia e inovação, economia, educação, saúde, segurança, empreendedorismo, governança e energia.
- Em Santa Catarina existe o Programa Catarinense de Informação lançado em 2014 onde se definiu a implantação de Centros de Inovação em 13 polos econômicos do Estado: Blumenau, Brusque, Chapecó, Criciúma, Florianópolis, Itajaí, Jaraguá do Sul, Joaçaba, Joinville, Lages, Rio do Sul, São Bento do Sul, Tubarão. São dezenas de empresas que vão da energia limpa a robótica.
- O Rio de Janeiro, que através de sua prefeitura trouxe o Web Summit de Portugal para cidade pensando em atrair investimento de diversos players, como aconteceu em Portugal, está trabalhando fortemente a inovação através de seu sandbox criado em 2022 para testar novas tecnologias que possam desenvolver o setor econômico local. A Eve, braço da Embraer para soluções em mobilidade urbana, realizou um estudo para o futuro da mobilidade aérea urbana no Rio de Janeiro e a expectativa é que o projeto tenha eVTOL – também chamado de “carros voadores” – esteja operando em 2026. Além disso, a prefeitura decidiu iniciar o uso de criptomoedas e os moradores poderão pagar o IPTU em 2023 com Bitcoin. A prefeitura contará com empresas para realizar a conversão para o real, entre elas a Binance que anunciou a abertura de um escritório no Rio.
- Em Belo Horizonte, o San Pedro Valley foi fundado em 2017 com apoio das empresas Banco Inter, MRV Construtora e Localiza. O espaço chamado Orbi Conecta nasceu para conectar startups, corporates e talentos para impulsionar o mercado de tecnologia e inovação. Hoje com parceria com a Fundação Dom Cabral, IBM e Oracle, entre outros tem mais de 20 empresas em seu portfólio e vem promovendo cursos através da Orbi digital para desenvolver competências em empreendedores e profissionais de mercado.
- Em São Paulo temos um mercado pujante em inovação através do Desenvolve SP, uma entidade governamental, do Distrito, do Inovabra, do Cubo, da Oxigênio, da Startse, do Insper, da USP, do IPT, do Sebrae, entre outros, e por isto mesmo quero falar de Ribeirão Preto que vem crescendo com o Ribeirão Valley e já tem 38 startups e 83 agentes de diversos segmentos trazendo inovação de materiais biodegradáveis a biologia molecular. Do Hell Valley de Birigui que reuniu profissionais e empresas das cidades de Araçatuba, Birigui e Ilha Solteira com foco em promover negócios, empreendedorismo, troca de ideias e conexões entre as pessoas ao longo do ano. Inclusive em junho teremos vários eventos de Blockchain na USP. Vale a pena participar e acompanhar.
Renata Vilenky é formada em Tecnologia e Economia com especialização em IA e Robótica. Conselheira em Estratégia e Inovação, Coordenadora de Lifelong Learning da Associação de Conselheiros de TrendsInnovation do Brasil, Membro da Academia Europeia da Alta Gestão com livros publicados nos temas de Inovação, Estratégia e Liderança; Consultora em Projetos de M&A, Reestrutução Cultural, Estratégia, Inovação e Transformação Digital, dentro e fora do Brasil, Coordenadora do Comitê de Tecnologia do Insper e Professora de Estratégia e Inovação da FGV.