Não se pode garantir final feliz, mas é possível trabalhar por finais responsáveis e cuidadosos

Não se pode garantir final feliz, mas é possível trabalhar por finais responsáveis e cuidadosos

Por Heloiza Carvalho

Nos últimos dias, processos de demissões conduzidos de forma inapropriada por startups ganharam manchetes. É algo que me choca em especial. Motivo: há 20 anos, atuo em comunicação corporativa e, em uma frente específica, em transformação e transição. Isso inclui treinar e apoiar líderes – do C-level a chão de fábrica – a perceber a necessidade de e entender como cumprir com uma missão difícil: demitir.

Muita gente, no começo, achava esse meu papel estranho/curioso, mas depois de quase duas décadas de atuação, sinto a satisfação de ver o valor desse meu papel. Assim como os médicos aprendem a dar a notícia da morte com zelo e respeito e deflagram processos de luto, ajudo profissionais a demitirem com respeito, responsabilidade e zelo e a criar um ambiente que não faça do luto (pra quem sai e pra quem fica) algo ainda pior e mais profundo. Sim. É possível. Com muita comunicação e cuidado.

Demitir é parte do jogo e todos sabem (inclusive as pessoas demitidas). Afinal, na vida real, nem sempre o final é feliz. Reorganizações, recessões, estagflações, mudanças de cenário e fechamento da torneira de investimento acontecem. Sabemos de tudo isso. Mas, se não podemos garantir o happy end, é possível garantir que o final será conduzido de modo respeitoso, responsável, zeloso, humano e cuidadoso. Não temos controle dos desfechos, mas temos capacidade para atuar em prol de quem terá parte da sua história encerrada.

Reparei que usei a palavra “humano” aqui em cima. Não gosto disso. É obvio. Somos humanos, afinal. Mas é necessário. É preciso lembrar no momento de fechar toda e qualquer história que, como humanos somos seres pautados e criados por meio de relações. A qualidade delas pesa imensamente em quem somos, em como agimos e, por isso, define comportamentos, perspectivas e, assim, o futuro.

É essencial pensar nisso em processos de demissão e mudança organizacional, porque esses movimentos influenciarão todos os públicos de uma empresa: quem vai embora, concorrentes, consumidores e, principalmente, quem fica. “Ah! Mas os consumidores não terão como saber das demissões feitas e como elas foram feitas”! Não mesmo? “Ah! Quem fica na empresa vai ficar feliz porque não foi demitido e vai seguir adiante”. Você acha mesmo que ele não vai considerar como os colegas foram tratados?

Por isso, é tão essencial pensar nesse processo e olhá-lo com cuidado e, acima de tudo, responsabilidade. A comunicação será feita por vídeo? Quem estará do outro lado escutando, além do profissional? Você corre o risco de demiti-lo na frente de alguém, sem nem perceber? A demissão vai ocorrer em grupo? Mas você contratou todos em grupo, juntos?! Você agradece o profissional? Dá feedback num momento em que ele não tem mais o que fazer com aquela informação? Escuta ativamente, direciona? Analisa a necessidade de comunicar os demais públicos e faz isso no timing correto? Há diversas variáveis que mostram cuidado e responsabilidade com o fim da relação. E elas podem e devem ser pensadas e planejadas no detalhe.

Quando paro pra fazer a contas, estimo em milhares o número de executivos que treinei para momentos de reorganizações e demissões. Lendo as notícias atuais posso dizer que sinto orgulho de cada um deles. Por um motivo essencial: se estivemos juntos é porque eles se preocuparam em fazer algo difícil e definidor do futuro de diversas pessoas da maneira correta, humana, zelosa, responsável e cuidadosa. Parabéns a cada um deles. E que mais gente pense a respeito disso.

Finalizar qualquer relação é difícil, exige, escuta, preocupa. Mas quem não sente esse temor tende a sociopatia, algo que os funcionários não querem mais e que até mesmo investidores começam a entender como redutor de valor. Escuta ativa, atenção plena, planejamento, empatia, bom senso, comunicação consciente e ativa e preocupação genuína amenizam os piores momentos e permitem que as pessoas vivenciem da melhor forma a curva de transição que vem após um final.

Heloiza Carvalho é Sócia-Diretora Tree Comunicação, Conselheira TrendsInnovation, conselheira de startups, consultora de comunicação para crises e para transições, especialista em comunicação consciente e mentora do Programa Por Elas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *